EUA quer ajuda do Brasil, enquanto frustração cresce sobre intervenção no Haiti
Meses depois de o primeiro-ministro do Haiti e a ONU implorarem por uma intervenção na nação caribenha afundada em uma crise de violência, potências mundiais continuam buscando novas ideias, mas nenhum país parece disposto a liderar uma força na nação mais pobre das Américas.
Em seu esforço mais recente, os Estados Unidos enviaram ao Brasil - que liderou a última missão da ONU no país caribenho e atualmente integra o Conselho de Segurança - sua embaixadora nas Nações Unidas para avançar sobre tema.
Em sua viagem de volta, Linda Thomas-Greenfield afirmou que deixou o território brasileiro com a visão de que o governo Lula "se preocupa com o Haiti".
"Eles [os brasileiros] querem que algo seja feito, e estão comprometidos a trabalhar conosco no Conselho de Segurança para encontrar um caminho", disse Thomas-Greenfield à AFP em seu voo que partiu de Brasília.
"Estamos fazendo progresso, mas estamos todos frustrados por não termos conseguido progredir mais rapidamente", declarou a diplomata.
Nos últimos anos, o Haiti tem sido assolado por constantes crises políticas, de segurança e saúde. Atualmente, grupos armados controlam boa parte da capital Porto Príncipe.
Na quarta-feira, Volker Turk, titular do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos (Acnudh), disse ao Conselho de Segurança que o Haiti estava "pendendo sobre o abismo".
Os Estados Unidos empreenderam alguns esforços inicias para que outro país liderasse uma operação para restaurar a segurança básica e as funções governamentais, abrindo caminho para uma transição política.
Contudo, como nenhum país deu um passo adiante, diplomatas afirmam que outras opções estão sobre a mesa e agora incluem a implementação de uma operação de paz convencional com contribuições de todo o mundo.
Washington, que tem um longo histórico de intervenções no Haiti, tem focado em sanções e no financiamento de uma incipiente polícia nacional.
O presidente Joe Biden, que recentemente pôs ponto final à longa intervenção americana no Afeganistão, já deixou claro que não pretende colocar novamente os soldados americanos em perigo, mas prometeu apoio, caso algum país decida liderar uma intervenção.
O Canadá chegou a cogitar esse papel, mas o primeiro-ministro Justin Trudeau também deu sinais de que uma ação desse naipe seria muito arriscada.
Maria Isabel Salvador, a representante especial da ONU para o Haiti, disse que ainda mantinha a esperança de que um país desse um passo adiante ou que o Caricom, a comunidade de nações caribenhas, pudesse assumir esse papel.
Mas ela também assinalou que já passou da hora de as Nações Unidas começarem a "ser inovadoras" para "encontrar outras formas de providenciar essa força" de intervenção.
O Brasil busca historicamente um papel de liderança na ONU. Contudo, o Conselho de Segurança precisaria convencer a China - que tem poder de veto - a embarcar nessa iniciativa, pois o gigante asiático ressente-se de que o Haiti ainda é um dos poucos países que reconhecem Taiwan.
- 'Ninguém quer fazer isso' -
"É muito simples. Ninguém quer fazer isso. Não há nenhum país que agora sinta uma responsabilidade ou uma compulsão para fazer isso", disse Keith Mines, diretor do programa de América Latina no Instituto para a Paz dos Estados Unidos.
Contudo, ele disse que ainda havia esperança para o Haiti. Em 21 de dezembro, uma coalizão envolvendo líderes políticos, da sociedade civil e empresários firmou um plano para estabelecer um governo de transição que desembocaria em eleições no fim de 2023.
"Mas existe esse problema de quem veio primeiro, o ovo ou a galinha, porque é difícil ver como o processo político pode evoluir enquanto existir esse colapso da segurança", opinou.
Alguns funcionários americanos, no entanto, estão pessimistas.
Avril Haines, diretor de inteligência nacional, manifestou pessimismo sobre o Haiti ao ser questionado no Congresso nesta quinta-feira, ao assinalar que o país "não parece que vai melhorar tão cedo".
O premiê haitiano Ariel Henry implorou por uma intervenção em outubro. Mas ele também enfrenta dúvidas sobre sua legitimidade com um país sem eleições desde 2016 e cujo último vencedor, o presidente Jovenel Moïse, foi assassinado em 2021.
Em uma carta aberta endereçada a Biden depois do pedido de Henry, uma coalizão da sociedade civil haitiana e de grupos mais à esquerda se opôs a uma intervenção militar que, segundo eles, "apenas perpetuaria e fortaleceria a permanência de Henry no poder, e faria muito pouco para amenizar as causas da crise atual".
A força de paz anterior ficou marcada por ter introduzido uma epidemia mortal de cólera no Haiti. Além disso, uma investigação da ONU encontrou relatos críveis de abuso sexual de crianças por tropas do Sri Lanka.
Mas Mines classificou a narrativa de "catástrofe constante" nas operações no Haiti como infundada, ao assinalar que as forças brasileiras, canadenses e chilenas foram eficazes no terreno.
"Estamos surfando agora nesta onda de aversão ao conceito de 'construção de nação' [nation-building], o que eu acho lamentável [...] Existem ferramentas que não vão ser utilizadas enquanto nações como o Haiti entram em colapso", frisou.
M.J.Baumann--NZN